sábado, 1 de novembro de 2014

O Poeta come amendoim


A poesia de Mário de Andrade e a música de Caetano Veloso no Terceiro Sarau de Música e Poesia Clube Literário Tamboril. 
Elaine Ramos recita "O poeta come amendoim" escrito por Mário de Andrade para o poeta mineiro Carlos Drummond.
Rafael Oliveira, Guilherme Magno e Junin Tuzin interpretam a música "Tropicália". 

O Poeta Come Amendoim
(Mário de Andrade)

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados...
Foi o sol que por todo o sítio imenso do Brasil 
Andou marcando de moreno os brasileiros
Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer...
A noite era para descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos...
Silêncio! O imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurús conspiram na sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos cre'm-deus-padres irmanavam os homens de meu país...
Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu.
Porém, o desastre verdadeiro foi embonecar essa república temporã.
A gente inda não sabia se governar.
Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade.
Será o que o nosso senhor quiser!
Estou com desejos de desastres...
Com desejos do Amazonas e dos ventos muriçocas
Se encostando na canjerana dos batentes...
Tenho desejos de violas e de solidões sem sentido
Tenho desejos de gemer e de morrer.
Brasil...
Mastigado na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua curumim 
De palavras incertas num remeleixo melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...
Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der.
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso, 
O gosto dos meus descansos, 
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento, 
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

Assista outro vídeo do Sarau Modernismo-Tropicália

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