sexta-feira, 17 de abril de 2015

Dóris Álvares

À tua espera
(Dóris Álvares)

Quando o silêncio for um doce afago
das coisas lindas que não sei dizer
Quando esta alma que no peito trago
for poema demais pra eu conter...

Quando o meu mundo for, talvez, um céu
um pedaço de céu azul e lindo
Quando o meu verso salpicado ao léu
qual garoa de flores caindo

Quando eu me sentir assim num riso leve
Tão doce e puro, e simples e feliz
De tal maneira que não se descreve
no mais belo dos versos que fiz...

Quando eu colher ao longo do caminho
os momentos de luz e de esplendor
Façam silêncio, falem bem baixinho
Eu te encontrarei e tu seras AMOR!
_______________

Canção de minha gente
 (Dóris Álvares)

Canta o rio e lentamente vai rumando para o mar
Em seu barco, um barqueiro vai remando a cantar:
"Rumo ao mar dessas tristezas já não posso mais remar
ôÔ, Sinhô!
ôô, Sinhá!
O barqueiro nasceu pobre, de que vale se queixar?"

E bem junto à cachoeira, num constante murmurar,
Lavadeira vai lavando sua roupa a cantar:
"Lavo as mágoas de minh'alma, já não posso mais chorar!
ôÔ, Sinhô!
ôô, Sinhá!
Lavadeira nasceu pobre, de que vale se queixar?"

Morre o dia, nasce a noite, vem a aurora a despontar
Pescador, lançando a rede, passa as horas a cantar:
"Lanço a rede, colho pranto, já não posso mais lutar!
ôÔ, Sinhô!
ôô, Sinhá!
Pescador já nasceu pobre, de que vale se queixar?"

Velho Rio, se eu te canto, tu também sabes cantar
E ensinaste a minha gente a sofrer sem lamentar
Tu que cantas, velho Rio, me ensinaste a não chorar!
ôÔ, Sinhô!

ôô, Sinhá!

Minha gente nasceu pobre, de que vale se queixar?

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Baile 
(Dóris Álvares)

Orquestra de risos
de sonhos e guizos
perdidos no ar!
E a vida cantando,
cantando e valsando
E o mundo a bailar!

Acendem-se as velas
de estrelas tão belas
dos mil candelabros
suspensos no céu...
E a vida cantando,
cantando e valsando
Fazendo escarcéu!

Sereno caindo...
fininho... fininho...
Enchendo de vinho
de orvalho a flor.
E a vida cantando,
cantando e valsando
nos braços do amor.

A brisa que passa,
tão cheia de graça,
servindo carícias
na sua baixela.
E a vida cantando,
cantando e valsando
tão doce e tão bela!

Já é madrugada...
já o dia se fez...
a tarde passou...
é noite outra vez!
E o mundo a bailar
E a vida cantando,
cantando e valsando
sem jamais parar!

Dirás que é loucura
dirás que é mentira
Que canta essa lira
um sonho falaz
Mas, tranquilamente, 
Direi tão somente:

Ama, e verás!

domingo, 5 de abril de 2015

Acordando Sonhos

Grande Geraldo Santana lançando mais um livro. Acordando Sonhos é o segundo livro do Geraldo. Textos cheios de inquietações e delicadezas. Um prazer para o Clube participar desse momento tão especial.

"ficar velho é o momento da transparência. cai a ilusão da força e ocorre o reencontro com a serenidade da criança a que a vida nos convida permanentemente a ser. não há tempo a perder. só nos resta o olhar poético, a coisa completa, a intensidade do momento intrínseco.  é comer o sabor dos morangos, dos caquis, das mangas, das laranjas, da seriguela, das melancias... sentindo-os.
é sonhar nas alegrias e nas utopias dos sonhadores, o muito amar enquanto acenamos o adeus de uma beleza que se adentra o crepúsculo de cores de um sol que se põe em instantes.
no compasso silencioso da tarde
do tempo que morde a vida
sem nada dizer
e se vai...
adentrando o espaço
onde a beleza e a tristeza se tocam
e o coração desejante                                                                                             
a indiferença animal vertical
e a vida é mistério
sei que ela é o presente belo
que se dá e se vai." 

(trecho do texto "Ser Velho", do livro Acordando Sonhos)
"o dia pára triste
como um campo solitário (ausente)
os homens da cidade (modernos)
finalmente cansados
de tanta monotonia
de tanta loucura.
param (  ) sem querer
com medo de perder.
amanhã novamente
pernas e mãos
rápidas como as formigas.
sem tempo
ajuntando os galhos rendidos
como renda de sua insidiosa devastação."

(trecho do texto "O destino das evoluções", do livro Acordando Sonhos)
"na vida se a gente não se sentir amado e não amar a gente sofre. e se a gente amar a gente sofre também porque cada abraço, cada beijo, cada presença, cada sorriso é, em si, o anuncio de uma despedida, de um adeus porque o amor é sacramento e não pode ser transformado em monumento. não terei mais aquele beijo da amada, aquela presença, aquele sorriso, aquele abraço transcendente do meu filho, não mais ouvirei a sua voz dizendo: papai, eu te amo até a lua, o que me emociona. choro e me desespero porque o tempo passa sem dizer nada. ai eu busco mais um e mais outro abraço, vou ao seu encontro, telefono.,.,  ouço a sua voz delicada serena e bela. e me apaixono, quero agarrá-la, ela me ilumina e se vai... com a alma cheia de dor da saudade, pego a caneta e escrevo, sou arte, transformo a dor em palavras para suavizar a saudade porque “a vida é um hiato fantástico de amor entre o nascer e o morrer”.                                          
quando te vi radiante
rosto sereno, belo, fascinante
alegria pura, simples e dourada
eu te amei.
amei em ti aquela imagem fugidia
infinitamente feliz na beleza que partia
hoje, vazio, vivo na saudade."

(trecho do texto "Sobre o amor II", do livro Acordando Sonhos)

quarta-feira, 1 de abril de 2015

A Lavadeira do São Francisco

A lavadeira lava
o sujo que é sujo
dos homens que sujara
a roupa, a cidade, 
a lavadeira

Bate o sujo em cima da pedra
e bate que bate
e bate rebate
o sujo tão sujo
na pedra tão dura

O rio tão largo
as mãos tão magras
a barriga vazia
o marido doente
os filhos são muitos
o remédio é tão caro
e lágrimas não compram 
o pão para a prole

E torce que torce
e torce e retorce
torcendo, torcendo
sua própria vida
em cima das trouxas

E o dinheiro suado
caindo em gotinhas
no bolso furado
da lavadeira
que bate e rebate
a vida inteira
o pranto na pedra
a fome na pedra
a honra na pedra

O rio insensível
a fome tão forte
e a vida é tão besta
que lhe dá vontade 
de bater a cabeça
na pedra tão dura
e lavar os miolos
para os filhos comerem.

(Fernando Santana Rubinger) 

*Poema recitado por Mariângela Diniz no IV Sarau de Música e Poesia do Clube Literário Tamboril "DAQUI", em novembro de 2014.