terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Um sarau para o Velho Chico



Quem vive nas barrancas do São Francisco sabe o quanto de poesia e mistério esse rio carrega em suas águas.
Todo canto ou verso composto para descrever a beleza ou o sofrimento vivido às margens do Velho Chico sempre fica devendo, é sempre pouco comparado com intensidade dramática do pôr do sol sobre as águas barrentas.
Não é raro acontecer da poesia diluída na água doce do rio ir, displicentemente, tomando conta do coração dos poetas. 

A poesia anfíbia do barranqueiro quando fala de amor, tem água clara.
                                                quando fala de ciúme, turva.
                                                quando fala de dor, é pedra cortante no leito seco.
                                                quando é saudade, é apito de vapor.
                                                quando é tristeza, é estiagem.
                                                quando é raiva, é fel de peixe podre na margem.
                                                quando é inocência, é piaba.
                                      quando é da vida que se fala, é carranca, é medo de afogamento, é remo quebrado, é tamboril na praia, travessia, mergulho, canoa, é água, água, água. 

Um sarau feito para o rio é uma tentativa de autoanálise coletiva! 
Vera, Dóris e Ilzerita (artistas cuja obra foi o eixo central do Sarau São Francisco: nosso rio, nossa gente)

Neste sarau foi lançado o CD São Francisco: nosso Rio, nossa gente, trabalho que reúne poemas musicados que contam histórias 'das menina', Dóris, Ilzerita e Vera, que na década de 60 experimentaram registrar o que vivenciavam enquanto o rio espreitava suas descobertas, namoros, aventuras e sonhos.






"Meu velho rio, sei que existe em nós
Muita coisa em comum! Eu sei que existe!
Na tua voz enluarada e triste,
Eu julgo ouvir a minha própria voz.

E assim te vendo, São Francisco imenso,
A vagar no mundo como eu, a esmo,
Buscando alívio dentro de tu mesmo,
Das nossas vidas eu, à vezes, penso

Que esta fuga na asa da mentira
Faz a tua alma gêmea com a minha:
Tornas canção a dor que te espezinha
E eu canto as mágoas ao tanger da lira!"

(trecho do poema AFINIDADE, de Dóris Álvares, lido por Delin)

"Quando eu me sentir assim num riso leve
Tão doce e puro, e simples e feliz
De tal maneira que não se descreve
no mais belo dos versos que fiz...

Quando eu colher ao longo do caminho
os momentos de luz e de esplendor
Façam silêncio, falem bem baixinho
Eu te encontrarei e tu serás AMOR!"
(da Música a tua espera, de Dóris Álvares e Ilzerita Rodrigues)

Elaine Mourão, atriz, homenageou figuras populares com um poema de Israel Ramos, seu pai
"Som de cachoeira acalentando o meu sono
Rio que lava tantas e tantas mágoas
Carrega minhas lágrimas
Para salgar mais o mar...
Como não te amar?
Passeio em tuas ruas com carinho.
E nessa troca, há sempre um sorriso,
Um abraço, um beijo a se ofertar.
Sinto-me aninhada nesse amor.
Aqui quero ser plantada
Quando, a contragosto, me for..."

(trecho do poema de Lúcia Sopas, Pirapora, meu amor) 

 












Cia de Danças Zabelê, homenagem à cultura popular no Sarau para o Velho Chico