Quando combinamos de fazer um sarau na varanda do Adélio não imaginávamos que aquela seria uma noite de Super Lua (evento astronômico onde a lua cheia se encontra mais próxima da terra, e a vemos maior e mais brilhante).
Suspeito que tenha sido o próprio anfitrião que, para nos presentear, encomendara a São Jorge um luar de prata polida, daqueles luares luzidios que são vistos no céu, sobre o cerrado, em noites quentes.
Tudo naquele encontro estava de acordo com a beleza e o brilho da lua:
Um painel com a imagem do Buda iluminado recepcionava cada um de nós e serviu como cenário para as apresentações preparadas pelos convidados e pelo dono da casa.
O Adélio foi quem abriu o sarau, com uma performance poética sobre o texto do espetáculo Brasileiro: profissão esperança, de Antônio Maria. O texto bem-humorado e inteligente ficou ainda mais interessante na apresentação do artista que vestiu-se de descobridor-arlequinal para nos dar as boas-vindas.
"Tem coisas que eu não entendo
Porque Brasil?
Sabem os senhores porque este país se chama Brasil?
Por causa do primeiro pau que Cabral avistou ao
desembarcar aqui: o Pau-brasil.
E se esse primeiro pau não tivesse sido o Brasil? Se
tivesse sido um pé de mandioca, por exemplo?
O cidadão para dizer que gosta da sua terra, teria
que falar “Sou vidrado na Mandioca”.
A senhora, tão interessada no destino da nação, teria
todo direito de dizer “Por isso que essa mandioca não levanta!”.
E, para fortuna, nossa Cabral não viu de cara uma
mexerica, porque hoje teríamos uma nação de ‘Mexeriqueiros’!
Por esse critério, o do primeiro pau, o nosso país
hoje poderia se chamar Pindoba, Mangaba, Aroeira, Jaqueira, Coqueiro, ou
simplesmente Coco. Aliás, bonito nome para um país, não é? Coco! Só que,
relações diplomáticas com a França, ‘jamé’!
E se Cabral tivesse visto de saída um pé de
abacaxi? – Brasília, primeiro de janeiro de um ano qualquer. O presidente que
sai, ao passar o governo ao presidente eleito, pronunciou as seguintes
palavras: “Excelência, tenho a honra de passar o Abacaxi para vossas mãos".
Nós demos sorte! Hoje poderíamos ser ‘os goiabas’, ‘os
abacates’, ‘os bananas’. Nós poderíamos ter o nome de uma fruta qualquer. Imagine,
na Copa do Mundo, um placar como esse: Escócia 2 x Carambola 0.
E, pra fortuna nossa, Cabral não viu de saída, um pau desconhecido, que ele só soubesse identificar por sinônimos. Se assim fosse, hoje, seríamos a República dos Estados Unidos do Cacete."
E, pra fortuna nossa, Cabral não viu de saída, um pau desconhecido, que ele só soubesse identificar por sinônimos. Se assim fosse, hoje, seríamos a República dos Estados Unidos do Cacete."
"39 anos de batalha, sem descanso, na vida
19 anos, trapos juntos, com a mesma rapariga
9 bocas de criança para encher de comida
Mais de mil pingentes na família para dar guarida
Muita noite sem dormir na fila do INPS
Muita xepa sobre a mesa, coisa que já não estarrece
Todo dia um palhaço dizendo que Deus dos pobres nunca esquece
E um bilhete mal escrito
Que causou um certo interesse
"É que meu nome é
João do Amor Divino de Santana e Jesus
Já carreguei, num guento mais,
O peso dessa minha cruz"
Sentado lá no alto do edifícioEle lembrou do seu menor
Chorou e, mesmo assim, achou que
O suicídio ainda era o melhor.
E o povo lá embaixo olhando o seu relógio
Exigia e cobrava a sua decisão
Saltou sem se benzer por entre aplausos e emoção
Desceu os 7 andares num silêncio de quem já morreu
Bateu no calçadão e de repente
Ele se mexeu
Sorriu e o aplauso em volta muito mais cresceu
João se levantou e recolheu a grana que a platéia deu
Agora ri da multidão executiva quando grita:
"Pula e morre, seu otário"
Pois como tantos outros brasileiros
É profissional de suicídio
E defende muito bem o seu salário"
(João do Amor Divino - Gonzaguinha)
Quem é de cantar, cantou: Gonzaguinha, Zeca Baleiro, Caetano Veloso, Chico Cesar, Adriana Calcanhoto, Tribalistas, Marcelo Camelo, Raul Seixas e outros compositores foram lembrados.
Paulo Junio violou seu canto de capoeira acompanhado da percussão de Tuzin e das palmas da geral.
Elaine recitou um texto do poeta barranqueiro Gardel. Como sempre falando coisas tão
íntimas, tão próximas de todos ali no sarau.
“[...] O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.”
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.”
(trecho do poema O Homem; as Viagens, de Carlos Drummond de Andrade, lido por Douglas Tomaz)
"Já começa a beijar o meu pescoço
com sua boca meio gelada meio doce,
já começa a abrir-me seus braços
como se meu namorado fosse,
já começa a beijar a minha mão,
a morder-me devagar os dedos,
já começa a afugentar-me os medos
e dar cetim de pijama aos meus segredos.
Todo ano é assim:
vem ele com seus cajás, suas oferendas, suas quaresmeiras,
vem ele disposto a quebrar meus galhos
e a varrer minhas folhas secas.
Já começa a soprar minha nuca
com sua temperatura de macho,
já começa a acender meu facho
e dar frescor às minhas clareiras.
Já vem ele chegando com sua luz sem fronteiras,
seu discurso sedutor de renovação,
suas palavras coloridas,
e eu estou na sua mão.
com sua boca meio gelada meio doce,
já começa a abrir-me seus braços
como se meu namorado fosse,
já começa a beijar a minha mão,
a morder-me devagar os dedos,
já começa a afugentar-me os medos
e dar cetim de pijama aos meus segredos.
Todo ano é assim:
vem ele com seus cajás, suas oferendas, suas quaresmeiras,
vem ele disposto a quebrar meus galhos
e a varrer minhas folhas secas.
Já começa a soprar minha nuca
com sua temperatura de macho,
já começa a acender meu facho
e dar frescor às minhas clareiras.
Já vem ele chegando com sua luz sem fronteiras,
seu discurso sedutor de renovação,
suas palavras coloridas,
e eu estou na sua mão.
(trecho do poema Ele, de Elisa Lucinda, recitado por Juliana Santos)
Seguiu luminoso o sarau sob a lua cheia:
A doçura do violão e da voz de Gabi. Canções e histórias
divertidas com Fathyô e Adélio. Uma reverência, em forma de poema, aos Catopês do
Congado norte mineiro - momento em que Calyanne Gonçalves expressou em versos a
emoção sentida nas Festas de Agosto, da cidade de Montes Claros. [...] E depois
de embriagados da poesia e da luminosidade daquela noite, dançamos, rimos,
cantamos juntos e celebramos o encontro.
Dia seguinte conferi no calendário, só por curiosidade, quando
serão as próximas Super Luas.
MARAVILHOSOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO
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