Dezembro traz sempre a sensação de encerramento de ciclos e de confraternização.
Em meio ao clima das festas de fim de ano, pra não fugir à regra, aproveitamos nosso lugar de encontro, a Barraca do Clube na Feira de Artesanato, pra fazer nossos festejos poéticos na forma de um Sarau Solar.
Começa com o Grupo Amigos Seresteiros cantando estribilho "Eu sei que a vida devia ser bem melhor, e será. Mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita, é bonita!". A cadência do samba-enredo de Gonzaguinha é entrecortada pela leitura do texto "Rodando" de Adélia Prado:
"tudo que nasce deve mesmo nascer sem empecilho, mesmo que os nascituros
formem hordas e hordas de miseráveis e os governos não saibam mais o que fazer com os
sem-teto, os sem-terra, os sem-dentes e as igrejas todas reunidas em concílio esgotem
suas teologias sobre caridade discernida e não tenhamos mais tempo de atender à porta a
multidão de pedintes. Ainda assim, a vida é maior, o direito de nascer e morar num
caixote à beira da estrada. Porque um dia, e pode ser um único dia em sua vida, um
deserdado daqueles sai de seu buraco à noite e se maravilha. Chama seu compadre de
infortúnio: vem cá, homem, repara se já viu o céu mais estrelado e mais bonito que
este! Para isto vale nascer."
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Charmene nos trouxe de presente um poema: "Se eu me perder de mim". Fez também a leitura de um texto da Silvana Dias, "Esfinge":
"Eu não gosto de meias palavras..
Gosto
de palavras inteiras.
Meios
gestos...
Meias
vontades...meias verdades...
Que se dane o autocontrole.
Quero mais é que vida
transborde em mim em abundância.
Vivo pela última gota..por um
fio de luz.
Será que já posso ficar louca,
ou devo apenas sorrir???
Alguém disse isso uma vez.
Vou parar de seguir suas
pistas.
Vou parar de tentar ler voce.
Tentar decifrar seu enigma de
esfinge.
DECIFRA-ME OU DEVORO-TE.
Pode me devorar"
"às vezes é preciso ouvir a música
atentamente para termos certeza que mesmo quando a alma se sente imersa em
melancolia camuflada, o coração quer fazer todo mundo dançar." Sintonizando sua percepção com o som do Baticundum, Edson recitou "Metalinguagem", poema inédito.
Os meninos e meninas do Grupo Baticundum coloriram o ar com Jorge Ben, Tim Maia, Sandra de Sá e outras vibrações de outras cores. Entre um e outro som eu apontei querendo falar da importância das coisas simples e da simbiose entre homem e natureza como um ideal de vida e de arte. Encontrei a síntese desse pensamento em Manoel de Barros:
O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco,
os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa,
Ele me rã,
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua *viola para inverter os ocasos.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco,
os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa,
Ele me rã,
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua *viola para inverter os ocasos.
Jbbbbbbbbbbean Jean me acompanhou com um batuque pantaneiro, num tambor de fitas coloridas,
saudando a arte do compositor Félix com versos da moda caipira "Promessa
de Violeiro"
"Fruta madura que cai
Na "arvre" deixa o engaço
Eu também quando morrer
Quero deixar o que eu faço
Vou deixar minhas modinhas
Todas feitas num compasso
Pra depois da minha morte
Os invejoso não dizer que eu fiz fracasso
Vou deixar moda sentida
De amor, de beijos e abraços
Falando da minha vida
Vou contar esse pedaço
Já quiseram me matar
Por inveja, com balaço
Eu sou que nem boi arisco
Não sai do mato
Pra não cair no laço
Eu gosto do mês de agosto
Que tem tarde de mormaço
Eu pego a minha viola
E nas moda dou um repasso
O meu pinho é de primeira
Não "faio" os dedo nos traço
Que eu canto em qualquer altura
Eu "tando" bom
Meu peito não tem cansaço"
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Na "arvre" deixa o engaço
Eu também quando morrer
Quero deixar o que eu faço
Vou deixar minhas modinhas
Todas feitas num compasso
Pra depois da minha morte
Os invejoso não dizer que eu fiz fracasso
Vou deixar moda sentida
De amor, de beijos e abraços
Falando da minha vida
Vou contar esse pedaço
Já quiseram me matar
Por inveja, com balaço
Eu sou que nem boi arisco
Não sai do mato
Pra não cair no laço
Eu gosto do mês de agosto
Que tem tarde de mormaço
Eu pego a minha viola
E nas moda dou um repasso
O meu pinho é de primeira
Não "faio" os dedo nos traço
Que eu canto em qualquer altura
Eu "tando" bom
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Lúcia falou do carinho
que sente pela cidade que a acolheu na leitura do poema Pirapora, meu amor
Não sei como vim parar aqui.
Localizei um ponto no mapa e vim.
Porque não era ainda dona de mim,
Vim com medo, dúvidas...sei lá.
Mas bastou um por-do-sol, um só
E já eras dona do meu coração!
Tantas cores e luzes preciosas
Misturadas qual paleta de pintor
Ah! Pirapora, quase sem pensar
Já te chamei: meu amor!
Sem sentir, aqui forjei minha história
Foram lutas, lágrimas e sorrisos
Trabalho, trabalho, trabalho...
Mas sempre havia um por-do-sol.
Pirapora quente, de solo fervente
Som de cachoeira acalentando o meu sono
Rio que lava tantas e tantas mágoas
Carrega minhas lágrimas
Para salgar mais o mar...
Como não te amar?
Passeio em tuas ruas com carinho.
E nessa troca, há sempre um sorriso,
Um abraço, um beijo a se ofertar.
Sinto-me aninhada nesse amor.
Aqui quero ser plantada
Quando, a contragosto, me for...
Pirapora de festas, de raças, de fogos
De frutas, de danças, de tradição.
Ando pelo mundo afora
E levo comigo tuas cores.
Meus olhos se encantam
Há muitas maravilhas para se ver.
Mas teu por-do-sol nada iguala,
Está impresso na mente, nos olhos, na alma.
Assim, a palavra se cala...
O que mais pode dizer
Um pobre coração lusitano?
Nada mais, nada menos que:
Pirapora, te amo!"
Além de novas artes para colorir a barraca do Clube, Anízia tinha um poema novo pra mostrar: "Conclusão".
Gastei papel, gastei caneta
Desgastei sentimentos
Perdi Horas do emu tempo te escrevendo
Escrevi cartas pedindo migalhas do seu tempo,
porcentagens de sua atenção
Esqueci o resto do mundo
Fiz de ti minha única inspiração
Fui sincera, abri meu peito
Rasguei em pedaços meu coração
Desgastei sentimentos
Perdi Horas do emu tempo te escrevendo
Escrevi cartas pedindo migalhas do seu tempo,
porcentagens de sua atenção
Esqueci o resto do mundo
Fiz de ti minha única inspiração
Fui sincera, abri meu peito
Rasguei em pedaços meu coração
Deixei nas letras sobre o papel
Minha dor transparecer
Elaborei cuidadosamente versos e rimas
Dediquei -os a você
Tudo em vão...
Ingrato. Não leu sequer uma estrofe por educação.
Como fui tola.
Amei com tanta devoção
Recebi meu pagamento: doses extras da sua ingratidão.
Só agora entendi,
Dos versos que te escrevi, não mereces uma só palavra, nem mesmo o pingo do i. iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiEis a minha conclusão."
Eis a minha Conclusão! ............................................. u
Na barraca do Adelinho a poesia também estava presente: versos nossos e do Guimarães Rosa estampam bolsas, lenços e outras lindezas criadas pelas mãos generosas do artista.
O sol já tomava quase toda a praça quando encerramos o sarau, iluminados pela luz do meio dia e dos sorrisos que estampam os rostos de cada um de nós quando estamos juntos. O último sarau de 2015 foi mesmo uma celebração da amizade e da arte que une seresteiros, 'baticundeiros', escritores, tocadores, enfim.Em 2016 bastará que a gente se encontre pra que se multipliquem cores, poesias e canções.
Seja este um ano feliz e novo!
*o verso original diz "De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos"
Postado por Rafael Oliveira
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