quarta-feira, 3 de setembro de 2014

E a tatuagem no pênis ereto daquela moça de vestido amarelo

(Douglas Oliveira Tomaz)


Tomo banho de petróleo.
Escovo meus dentes com sangue.
Saio para a rua,
visto saia e uma camiseta do Suede.
Sou um homem.

Paro em qualquer boteco
encontro a decadência em sua forma humana:
homens velhos, rotos, desdentados
homens fedendo a cachaça
e tédio.
Vou para a cama com eles.
Sou uma mulher.

Nos meus longos cabelos crespos
mulheres de pênis encravam seus dedos sujos de pedreiros.
Dançamos ao som de tambores africanos após o sexo
como caboclos, prostitutas,
pretos velhos.

Perdoem toda a sujeira do quarto
 - gozo, cinza, vela, uísque, tabaco -
mas não perdoem a sujeira do poema
não há o que perdoar.

Somos seres sincréticos, diz o refrão
somos a conjunção, somos o
sexo,
o abismo
e o pulo.
Suicida é quem se define, diz a tatuagem no corpo do sujeito-sem-definição.
Somos a briga interminável, desritmada, sem controle
entre a leoa e o leão.

Saio do quarto apagado e te deixo sozinha
morta
esvaindo-se em goza.
Uso salto quinze
e tenho um braço entre minhas pernas.
As pessoas me olham.
A boca delas me dizem
eu quero.

E chove.

Quando era criança
eu era o x da questão
minha mãe me dizia é homem
meu pai me dizia é não.
Somente meu gato de estimação me entendia:
ele era preto com manchas brancas
e apesar de macho
era esguia
miava alto
fino
gemia.

Mas chove.

E a água salgada
- a chuva é doce -
retira minha maquiagem vermelha de homem,
transformando-me em quem.
Embaixo das camadas de base
há quem?
Quem é o meu próprio nome.

Continuo andando pela cidade
e já é noite
e as luzes se acendendo enquanto cai a escuridão
sempre me pareceu muito simbólico.
Somos seres sincréticos,
diz o refrão.
E a tatuagem no pênis ereto daquela moça com vestido amarelo
dizia:
sou não. 

(publicada em 27 de outubro de 2013 no blog abrigosdevagabundo.blogspot.com.br)


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